terça-feira, 30 de agosto de 2011

Que país é esse?

Por Luiz Eduardo Silva Parreira

No início dos anos 90, um determinado país se viu assolado por uma crise financeira grave, cujo governo enxergou na privatização de algumas empresas públicas a saída para seus problemas de caixa. A medida teria surtido o efeito desejado se o processo tivesse sido conduzido de uma maneira que não privilegiasse alguns grupos. Nos anos seguintes, diversos casos de corrupção entre aqueles grupos e o governo começaram a ser denunciados, principalmente nas áreas de telefonia, esportes e construção civil.


Ao mesmo tempo, uma onda de escândalos de desvio de dinheiro e tráfico de influência (praticado pelos famosos lobistas), envolvendo pessoas ligadas ao governo, até mesmo das Forças Armadas, organizações até então impolutas, fez com que a classe média desse país – um novo grupo social que cresceu muito nos últimos anos – iniciasse protestos contra a corrupção, cobrando mais rigor nas punições aos corruptos.

Então surge uma boa ideia no Congresso Nacional. Crimes de corrupção seriam tratados de maneira diferente: punidos de forma exemplar e investigados de maneira mais ágil, visando coibir a vergonhosa prática que parecia, aos olhos da nação, algo já intestina aos últimos governos.

Mas eis que nesse exato momento, o chefe de governo propõe ao legislativo que amenize a lei anti-corrupção para membros dos poderes judiciário e executivo, criando foros privilegiados. Ao saber disso, a população deixa ainda mais clara sua insatisfação com a classe política, com passeatas e manifestações em jornais, mídias sociais e todo meio de comunicação a seu alcance.

Então, caro leitor, reconheceu onde isso ocorreu? Qual o nome desse país? Brasil? Não, Índia! Enquanto os jornais brasileiros falam insistentemente na queda do governo Líbio, a revolta hindu, capitaneada por Kisan Baburao Hazare, também conhecido por Anna Hazare (Anna significa irmão mais velho, em hindi), tem pouco espaço nos noticiários. Nesse exato momento, os indianos fazem forte pressão para que o seu governo não altere a Jan Lokpal Bill, a lei que cria o ouvidor civil, que terá poderes para investigar casos de corrupção, punindo os corruptos em no máximo dois anos após as investigações.

A mudança pretendida pelo executivo consiste em inserir na lei que cria esse superombudsman, um dispositivo que o colocaria sob as órdens do Primeiro Ministro, além de excluir os magistrados do seu alcance. Da maneira como foi inicialmente proposta, o Lokpal seria um órgão independente, sem ligações hierárquicas ou funcionais com qualquer poder. E é essa tentativa de se criar imunidades (incompatíveis com regimes democráticos e republicanos) que tem revoltado a população indiana.

E porque deveríamos prestar mais atenção nesse processo na Índia? Simples, porque no Brasil ainda vige o absurdo regime de imunidades parlamentares que fazem com que políticos tenham regalias processuais que um cidadão comum não tem. Punir um político por corrupção no Brasil requer um esforço hercúleo. Veja-se a novela que está acontecendo para tentar punir a Deputada Jaqueline Roriz!

Não se defende aqui qualquer flexibilização dos direitos da ampla defesa e do contraditório. Absolutamente. Mas sim, defende-se o FIM dessas imunidades anacrônicas, de modo que exceto para casos em que a defesa das ideias do parlamentar possa ser ferida, em todos os demais, a prática de crimes por eles devem ser punidos segundo as leis que regem toda a sociedade brasileira.

Em A revolução dos bichos, George Orwell narra a tomada de poder pelos porcos, em uma fazenda. E para justificarem viver em condições melhores que a dos outros animais do lugar, insistiam que precisavam de certas regalias porque cuidavam da fazenda, a administravam, etc., resumindo suas práticas na máxima: "todos os animais são iguais. Mas uns são mais iguais que outros”. A imunidade parlamentar é exatamente isso.

Com efeito, se existe um país que reage muito mal a mudanças sociais é a Índia. Mas vem de lá dois exemplos de vontade de transformação quanto à política, que devemos seguir:
  1. Que as coisas só mudarão se a população deixar claro que não aguenta mais essa blindagem injustificável revestida de medida legal; e, 
  2. Que se pode ser pacífico sem ser passivo. 


Alea jacta est!

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Este artigo também foi publicado no Jornal A Crítica (Campo Grande, 30/08/2011), Correio do Estado (31/08/2011) e estará na minha coluna no Portal CampoGrande.Net.


sábado, 27 de agosto de 2011

Política Internacional: sem amigos, apenas interesses.

Por Luiz Eduardo Silva Pareira

Muitas pessoas, ao se depararem com manifestações oficiais de governos, atos de Estados; ficam perplexas - às vezes com toda razão - de como um país, num determinado momento, é "amigo" de outro país; e, passados alguns anos, aqueles mesmos países se tornam inimigos a ponto de haver ataques militares de um contra o outro.

Um exemplo aconteceu recentemente: o Afeganistão. Em 1979, em plena Guerra Fria e na época de maior poder militar do bloco comunista europeu, a União das Repúblicas Socialistas Soviética - URSS (relatório da CIA sobre a URSS) - invadiu o Afeganistão, para apoiar a tomada de poder do Partido Comunista afegão (por incrível que pareça, a segunda metade do século XX viu muito disso: Alemanha, Hungria, Tchecoslováquia, etc.).

Tio Sam (EUA) e o "urso" (URSS),
disputando o mundo.
Bom, os EUA, então, apoiaram os grupos anti-PC afegão/URSS. E ambos os lados usaram tanto o hard power (ações militares, armadas, apoio a grupos guerrilheiros, etc.) quanto o soft power (cinema, rádio, TV, propaganda) para justificarem suas ações. Afinal, todo mundo quer ser o mocinho, ora bolas! 

Aqui calha rememorar um exemplo de soft power norte-americano, o filme Rambo III (veja o trailer). Nele o persnagem vai até o Afeganistão e faz mais estragos que 1.000 mujahidin (os guerrilehiros afegãos), contra o exército vermelho (como era também chamado o exército da URSS). Aliás, muita gente passou a ter conhecmento dessa guerra no Afeganistão (a de 1979) por causa do filme; principalmente, quando ele denuncia um ato terrível que a URSS praticava no Afegaistão: fazia bombas em forma de brinquedos, para matar crianças guerrilheiras.

Pois bem, a URSS saiu do Afeganistão 10 anos depois com o "rabo entre as pernas" (foi o Vietnã deles) e tudo parecia bem - ou seja, ninguém nem sabendo da existência do Afeganistão outra vez, até a tomada de poder pelos Talibãs, em 1996. E esse governo passou a permitir que terroristas utilizassem seu território para planejar atos de terror e treinar os executores desses planos. 

O papel de abrigar terroristas era exercido por países como a Líbia e o Irã, nos anos 80,  pois o alvo desses malucos era prioritariamente Israel (mas fizeram muitos estragos em várias partes do mundo). Contudo, o Afeganistão passou a oferecer melhores condições de "trabalho", digamos assim. E foi ai que o Al-Qaeda cresceu de vez, culminando no ataque de 11 de setembro de 2001, contra os EUA.

Então, o pobre Afeganistão do filme Rambo agora era - e com razão - um celeiro de terroristas. E por conta de sua ligação intestina com o Al-Qaeda foi atacado, não só pelos EUA, mas também pela OTAN. Essas tropas estão lá até hoje e conseguiram avanços  que certamente abalaram as estruturas da Al-Qaeda. Só para ilutrar, em 02/05/2011 foi morto Bin Laden, o número 1 da organização e no dia 27/08/2011, morreu o número 2, sucessor do Bin.


Fim do regime Talibã no Afeganistão.
Pergunte às mulheres afegãs se elas acharam ruim a queda daquele regime?
Leia mais em TIME.
Enfim, os pactos internacionais e a política internacional vão pelo Direito Internacional, para dar um ar de legalidade nas suas ações, mas as relações entre países vão além disso. Passam pela moral da ligação internacional entre os povos, da circusntância que paira no mundo, da ideologia dos governos que se relacionam, da opinião pública interna e internacional, enfim, se baseiam em bases muito mais amplas que a simples lei (que às vezes é interpretada de uma maneira meio esquisita, mas passa ...).

Dai saber a origem da moral, que embasa a ética das ações dos povos que figuram entre os players internacionais, é importante para o estudo de política internacional. Muita vezes a interpretação desses ditames será a diferença entre apoiar ou condenar um ato, um governo ou um movimento. Assim como, poderá servir de desculpa para minimizar a ação ou omissão de outros.

Encouraçado São Paulo, da Marinha do Brasil. 
Um dos navios mais poderosos de seu tempo. 
De uma época em que o Brasil agia para ser grande.
Aliás, o Brasil vem tentando ser um Global Player já algum tempo. Mas erra em duas coisas, a meu ver. Uma, é de tentar ser SEMPRE o bom moço, o que concilia todo mundo (nunca foi muito longe e na era Lula, até deixou o país muito mal visto, nas questões do Irã e em Israel, por exemplo) e a outra, a de querer esperar pelo anúncio da ONU, OEA, etc., quando situações se mostram ainda indefinidas. 

Contudo, somente seguir sempre o que ditam as organizações internacionais dão a ele a cara de "seguidor do óbvio". Parafraseando Carlos Hilsdorf: "você nunca terá todas as informações necessárias para tomar uma decisão. Se tiver, trata-se de uma conclusão óbvia, não de uma decisão". Com efeito, com Forças Armadas sucateadas, restaria ao Brasil (até a recuperação de seu braço militar) ser um país reconhecido por tomar decisões antes da maioria, para não ficar com cara de  "seguidor do óbvio". Mas não é isso que vemos.

Quando a Política Externa brasileira for capaz de pronunciar frases como as citadas abaixo, talvez seja o dia em que estejamos mais perto de descer do muro e crescer no cenário internacional, de forma mais séria:


"Os Estados não têm amigos, têm interesses" - Henry Kissinger
"Diplomacia sem poder militar é jogo de retórica" - Henry Kissinger
"A fraqueza atrai a agressão" - Donald Rumsfeld


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O que é Política Internacional?

O que é Política Internacional? Você já procurou um livro de Política Internacional e encontrou? Se encontrou, por favor, me passe os dados (autor, editora, etc.). Eu nunca encontrei. Com efeito, o que eu sempre achei foram diversas fontes, apontadas por quem gosta ou vive do assunto.

Um exemplo é a lista de livros que o Instituto Rio Branco (IRB) divulgava (e que pode ser obtida no Blog Estudos Diplomáticos. Nele também se encontra a bibliografia do curso Clio).

Em verdade, um livro só de Política Internacional - se é que existe existe - não vai passar de dicas, rumos de estudo, noções; isso porque, o livro de Política Internacional que você utilizará será a SUA CABEÇA. Isso mesmo. A política internacional é um mosaico de dados, informações e acontecimentos, que têm de ser atualizados diariamente. O estudo dessa matéria é feito com uma base teórica de um lado e a tv, internet, jornais, blogs e afins, do outro.

Ou seja, o que eu colocarei aqui serão minhas dicas - dentre as demais que se tem pela net - mas não porque eu queira ser um doutrinador. Longe disso. Mas sim, porque também estudo a matéria e busco uma linha de entendimento teórico, para poder explicar, entender e visualizar aquilo que o mundo me mostra. E a interatividade com os leitores faz parte desse estudo. Então, não deixe de postar!

Sempre nos apaixonaremos por uma de suas facetas (política, militar, econômica, social, etc.), mas o segredo é poder unir tudo no entendimento final. E é o que busco com esses estudos (a parte fardada desse blog é o http://polemologia.blogspot.com).

De modo que eu resolvi começar o estudo, entendendo o que é política, seguindo uma sequência cronológica dos autores que estudaram o tema. E a linha para trás é looonga!

Uma observação:

1 - Esse estudo é para entender a matéria como um todo. Não tem como principal objetivo os concursos públicos. Para isso (concurso) é IMPORTANTÍSSIMO seguir o EDITAL, que vai fazer com que o candidato estude aquilo que ele vai cobrar. Aqui a sequência serão os livros, indicações de leitura, documentários, artigos, etc.;

2 - A lista não está fechada e pode ser acrescida (sua dica também conta ;-). Ela foi dividida em CLÁSSICOS e TEORIA GERAL. E ambos com o ano que foi escrito (para facilitar entender o zeitgeist da época que foi escrito), nome do livro e autor. Qualquer dica, nos envie.

Lista de livros iniciais.
Clique na imagem para ampliá-la


Um abraço a todos e bons estudos!